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só poderá ser harmônica com o resto do uni-
verso por ser finita.
Portanto, a morte faz parte dessa in-
scrição no todo cósmico. Deve, assim, ser en-
tendida como condição de pertencimento na
engrenagem universal. Condição de harmo-
nia com o resto. Uma eventual vida eterna
implicaria uma aberração. Uma agressão à
ordem. Uma desarmonia. Um descomedi-
mento que nos impediria a tão buscada con-
ciliação com o universo.
Espero que, depois de toda essa longa
narrativa, o leitor tenha percebido que a
noção filosófica de um universo ordenado
e de um lugar natural encontra raízes fora
da filosofia. Essa vinculação relativiza a
crença num milagre grego, comumente
citado nos manuais de história do
pensamento, para justificar o surgimento da
filosofia naquele momento e lugar do
mundo. Mas, essa ordem universal não se
sustenta só pelo justo lugar das coisas.
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Outras duas características ajudam a precis-
ar essa noção de cosmos.
Ajuste, atividade e
finalidade
As coisas que se encontram no universo
são diferentes umas das outras. Diante delas,
podemos ter dois tipos de inquietação.
A primeira, que poderíamos chamar de
científica, parte de um corpus dado, aceita-o
como tal e tenta descobrir, digamos, seu fun-
cionamento, as particularidades das relações
que mantém com outros corpos e entre suas
partes constitutivas. Assim, dado um sapo,
que é o que é e se apresenta diante de nós,
observamos para descobrir como vive, como
se movimenta, como se alimenta, como se
desloca. Podemos também abri-lo, para ver
como é constituído.
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A segunda inquietação, poderíamos
denominá-la mais propriamente filosófica ou
metafísica. Não se trata mais de saber como
funciona. Mas por que o ser é, por que é do
jeito que é. Veja a diferença, caro leitor: uma
coisa é tomar um corpo no mundo, aceitá-lo,
e verificar como vive. Outra coisa é se per-
guntar por que aquela coisa está no mundo,
a que veio, de onde veio, o que justifica sua
presença ali.
Suponho que a preocupação que nos in-
teressa mais seja a metafísica, não? Mas deve
ser preciso ser filósofo para se preocupar
com estas coisas?
Não necessariamente. A preocupação
metafísica não nos abandona em nosso co-
tidiano. De qualquer um de nós. Por exem-
plo: Minha filha de 7 anos, há poucos dias,
fez-me uma indagação intrigante:
Papai, por que nosso cãozinho é difer-
ente do da Érica?
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Não sei se o leitor se dá conta da complex-
idade da pergunta. Uma coisa é constatar a
diferença. A outra é investigar o porquê
desta diferença. Estamos acostumados a
começar a refletir a partir da constatação da
diferença. No caso, a diferença entre os cães.
Mas o que me perguntou minha filha é o por-
quê desta diferença. Confesso que fiquei per-
plexo. Para ganhar tempo, perguntei quem
era Érica.
Minha colega de escola. Você conhece.
Veio aqui no meu aniversário. Seu cachorro é
gordo e tem uma língua azul. O nosso é com-
prido. Parece uma salsicha. Tem pernas cur-
tas e distantes as da frente das de trás. Por
que são tão diferentes, papai?
Pedi a minha filha que se sentasse ao meu
lado. Afinal, a compensação para tão espin-
hosa resposta tinha que ser um pouco de
proximidade. De carinho. Sentamos, lado a
lado, no sofá onde me encontro agora.
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Tentemos uma explicação à moda dos
gregos, disse eu.
Minha mulher, que estava por perto
ajudando a pensar na resposta, tentou cas-
trar minha explicação com a advertência:
Ela só tem 7 anos!
Ignorei. Afinal, nesta idade, ainda não
tivemos tempo para ocupar a mente com o
que querem que saibamos a qualquer preço.
Ótimo momento para filosofar.
Minha filha! Os gregos que eram como
nós, mas que viveram há muito tempo
acreditavam que tudo que existe no mundo,
todos os corpos, são do jeito que são porque,
sendo assim, estão maravilhosamente ad-
equados para fazer uma atividade que lhes
cabe. Você não faz atividades que a profess-
ora pede, lá na escola?
Tentei, eu, dar uma de didático. Pois bem,
tudo que existe no mundo tem uma atividade
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que é a sua. Específica. E, sendo do jeito que
é, está melhor preparado para ela.
Minha filha fazia uma cara de quem pede
um exemplo. Não seja por isso:
Dentro da nossa barriga tem o intestino.
Ele é maravilhoso para fazer o que tem que
fazer. Peristaltismo. Poupei minha filha
deste palavrão. Mas lembrei que se o cocô sai
é porque algo o empurra para fora. E esse
algo tinha que ser como é. Uma espécie de
tubo, capaz de exercer pressão. Para expulsá-
lo. Daquele jeitinho que ela vê, todo dia, na
privada.
Assim, tudo é maravilhoso, se considerar-
mos a adequação perfeita entre qualquer
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